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O COELHO E SEU RELÓGIO


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Na clássica obra Alice no País das Maravilhas, escrita por Lewis Carroll em 1865, somos apresentados a um universo repleto de símbolos, paradoxos e metáforas sobre a existência humana. Entre todos os personagens, o Coelho Branco talvez seja o mais marcante: apressado, ansioso e constantemente repetindo “Estou atrasado!”. Ele é o responsável por despertar em Alice a curiosidade de sair da zona conhecida e mergulhar em um mundo de descobertas.

O Coelho não é apenas um personagem secundário. Ele é o gatilho da transformação: é ao segui-lo que Alice atravessa o espelho da normalidade e se depara com um universo cheio de desafios, confusões e reflexões. De certa forma, o Coelho Branco simboliza o chamado para o inesperado — aquilo que rompe a rotina e nos leva a questionar quem somos e para onde estamos indo.

Os “Coelhos Brancos” da Vida Moderna

Agora pensemos: quantas vezes, na nossa vida diária, também seguimos “coelhos brancos” invisíveis? O relógio que não para de marcar compromissos, as pressões externas que nos empurram para correr sem refletir, a busca incessante por resultados — muitas vezes sem clareza de propósito.

Assim como Alice, muitas pessoas entram nesse túnel de afazeres e obrigações sem se dar conta de que estão apenas reagindo, sem parar para pensar se esse é realmente o caminho desejado. O resultado pode ser uma rotina automática, regida pela pressa, pelo medo de não dar conta ou pela necessidade de corresponder a expectativas externas.

O Inconsciente e os Pressentimentos

Na obra de Carroll, Alice não segue o Coelho apenas porque ele está correndo. O que a move é um pressentimento misturado à curiosidade. Esse fenômeno, na psicanálise, pode ser entendido como a expressão de conteúdos inconscientes que emergem em forma de sensações corporais ou intuições. Freud já apontava que sintomas e sensações aparentemente “sem motivo” podem ser a voz do inconsciente pedindo escuta.

Ansiedade: Uma Resposta Evolutiva

Na vida real, chamamos de pressentimento quando sentimos, no corpo e na mente, sinais de que algo está prestes a acontecer: o frio na barriga, a inquietação, a urgência sem causa aparente.


Do ponto de vista neurocientífico, tais sinais envolvem a ativação do sistema límbico e do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), responsáveis pelas respostas fisiológicas ao estresse.

Essa preparação tem raízes evolutivas: foi essencial para a sobrevivência da espécie humana, preparando-nos para lutar ou fugir diante de perigos. Contudo, na vida contemporânea, esse mesmo mecanismo pode ser disparado por prazos de trabalho, cobranças ou inseguranças sociais, gerando ansiedade crônica.

Quando o Piloto Automático Assume

A neurociência descreve o fenômeno do mind-wandering (mente divagante), quando a mente opera em piloto automático. Esse estado é útil para economizar energia cognitiva, mas quando se torna predominante, leva à alienação, à repetição de padrões e à perda de sentido da rotina.

Da Ansiedade ao Sofrimento Ocupacional

A psicologia clínica define a ansiedade como um conjunto de respostas cognitivas (pensamentos acelerados, distorções cognitivas), fisiológicas (taquicardia, sudorese, tensão muscular) e comportamentais (evitação, hipervigilância). Embora adaptativa em doses moderadas, quando persistente pode evoluir para quadros patológicos, como o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) descrito no DSM-5.

Pesquisas em psicodinâmica do trabalho e em riscos psicossociais (ISO 45003, COPSOQ, PROART) demonstram que contextos de alta demanda, baixo controle e falta de apoio social são fortes preditores de esgotamento mental e adoecimento psíquico.

Do Sofrimento à Criação

A psicodinâmica do trabalho, inspirada em Christophe Dejours, mostra que o sofrimento não é apenas um sinal de adoecimento, mas também uma luta por manter a normalidade. Esse sofrimento pode ser patogênico, quando aprisiona, mas também pode ser transformador, quando leva à criação de novas estratégias, solidariedade e crescimento.

Estratégias Baseadas em Evidências Científicas

A boa notícia é que a ansiedade pode ser manejada. A psicologia contemporânea nos oferece recursos eficazes:

  • Psicoeducação: compreender sintomas já reduz sua intensidade.

  • Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): identificação e reestruturação de pensamentos automáticos.

  • Mindfulness e respiração diafragmática: redução da ativação fisiológica.

  • DBT (Terapia Comportamental Dialética): técnicas de regulação emocional para momentos de crise.

  • Autocuidado e pausas: fatores protetores contra o estresse crônico.

Todos os Caminhos Levam a Roma

Por fim, lembramos do antigo provérbio romano: “Todos os caminhos levam a Roma”. Ele nos ensina que, independentemente das rotas, há sempre possibilidade de chegar ao destino. O essencial é não se perder de si mesmo no processo.

Assim, o “Coelho Branco” pode deixar de ser apenas um símbolo da pressa para se tornar um convite à consciência. Se seguirmos atentos, transformamos o medo em alerta, a ansiedade em reflexão e a rotina automática em caminho de equilíbrio e autenticidade

 
 
 

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